Divórcio

Divórcio na hora não existe

Mito ou realidade?

A sociedade atual exige e impõe que tudo se possa fazer de imediato e, de preferência, a partir de um dispositivo com acesso à net (!) Se há não muitos anos atrás seria impensável encomendar um livro numa loja inglesa, proceder ao seu pagamento e, de imediato, tê-lo disponível no PC, hoje em dia semelhante transação deixou de pertencer ao domínio da ficção científica e poderá ser considerada banal. E muitos outros exemplos se poderiam dar, já que são cada vez mais os atos que se praticam a partir do nosso dispositivo – PC, telefone, tablet, etc – com acesso à internet.

Mas a prática dos mais diversos actos online não se limita à esfera das transações privadas, tendo-se alargado às relações dos particulares com o Estado. Na verdade, existem hoje uma série de atos que poderão ou deverão ser praticados online, desde a entrega de declarações fiscais a pedidos de licenciamento industrial.

Também a criação de empresas e associações poderá ser efetuada online, no âmbito dos programas “Associação na Hora”, “Empresa Online”, “Firmas Online” e “Sucursal na Hora”.

Na sequência desta evolução, há quem se questione relativamente à existência do “Divorcio na Hora”. Acontece, porém, que o divórcio na hora não existe. Efetivamente, não é ainda possível – de facto – efetuar um pedido de divórcio junto de uma das entidades competentes para o efeito e vê-lo decretado num espaço de tempo tão curto. Nós, pelo menos, não temos notícia de semelhante “divórcio supersónico” alguma vez se haver realizado. Porventura lá chegaremos, mas não será já para amanhã. Vejamos porquê.

O processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge – o antigo “divórcio litigioso” – é da competência dos tribunais judiciais. Nalguns casos de divórcio por mútuo consentimento a competência para o respetivo decremento cabe também aos tribunais. Ora, nestes casos, e por definição, não poderão ser decretados divórcios “na hora”, porquanto as regras processuais a que uns e outros processos estão sujeitos não se compadecem com timings tão curtos. Nestes casos de divórcios – litigiosos e amigáveis – que correm termos nos tribunais judiciais, os processos poderão demorar vários meses ou até anos.

Mas não se pense que, no caso de divórcios efetuados nas conservatórias do registo civil, se conseguem divórcios “na hora”.

Ora, e na verdade, a separação e o divórcio por mútuo consentimento, com as exceções que assinalámos em cima, são processos da competência das conservatórias do registo civil. Poder-se-ia pensar, pois, que as conservatórias poderiam decretar divórcios “na hora” já que não estão sujeitas às mesmas regras a que obedecem os processos de divórcio nos tribunais. Porém, tal não corresponde à realidade.

Nos casos em que o casal tem filhos menores, o requerimento de divórcio deverá ser acompanhado de acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais . Só assim não será se tal exercício tiver já sido judicialmente regulado. Ora, este acordo deverá ser objecto de parecer por parte do Ministério Público antes do decretamento do divórcio. Significa isto que a conservatória irá remeter o texto do acordo para o ministério público e só poderá homologá-lo após o parecer. O Ministério Público dispõe de um prazo de 30 dias para emitir o parecer mas não são inéditos os casos em que tal parecer demora 1, 2 ou mesmo 3 meses a ser emitido…O Ministério Público poderá não concordar com o acordo e, nesse caso, o processo sofrerá, como se compreende, novo atraso, já que os cônjuges poderão reformular o acordo ou substituí-lo por outro e aguardar por nova homologação ou, caso mantenham o acordo original, o mesmo será remetido ao Tribunal para aí ser decidido.

Em todos os casos que analisámos, pois, não se poderá falar em divórcio “na hora”, já que o decretamento do mesmo só se verificará algum tempo após o início do processo.

Nos casos em que o divórcio é cumulado com a partilha dos bens comuns do casal, existe todo um processo prévio de análise da documentação e da situação registal dos bens que permitirá aferir se, efetivamente, a partilha poderá ou não ser efetuada juntamente com o divórcio. Na verdade, esta só poderá ocorrer se os bens se encontrarem registados definitivamente a favor dos cônjuges e se não existirem dúvidas relativamente à respetiva titularidade. A partilha implica ainda a promoção da liquidação e do pagamento dos impostos devidos, a cobrança dos emolumentos, etc. Todos estes atos inviabilizam “na prática” que exista um divórcio com partilha “na hora”.

Mas é de notar que, mesmo nos casos em que (i) o divórcio é da competência da conservatória e não do tribunal; em que (ii) o casal não tem filhos menores e, consequentemente, não existe qualquer acordo a ser homologado pelo Ministério Público; em que (iii) não se procederá a qualquer partilha, dificilmente se assistirá a um “divórcio na hora”. É que, desde logo, muitas vezes as conservatórias não têm disponibilidade para, no momento em que recebem o pedido, praticar os atos legalmente devidos, como seja informar os cônjuges da existência dos serviços de mediação familiar e proceder à conferência prevista na lei. Nos grandes centros urbanos, a marcação da conferência é um processo que demora sempre algum tempo, já que as conservatórias estão muitas vezes assoberbadas de trabalho. É certo que, nalgumas conservatórias cujo volume de trabalho não seja tão grande, nomeadamente naquelas que se situam em localidades de menor dimensão, é possível que este processo se desenrole de forma mais rápida e, inclusivamente, que o divórcio seja decretado no próprio dia em que é solicitado. Tal sucederá, porém, numa pequeníssima minoria dos divórcios decretados em Portugal.

Enfim, e em jeito de conclusão, diremos que a esmagadora maioria dos processos de divórcio não são decretados numa hora ou sequer num dia ou mesmo numa semana. O tempo que decorrerá desde a data do pedido até ao decretamento do divórcio irá variar de acordo com uma série de factores, como sejam a entidade competente – tribunal ou conservatória – e a respetiva acumulação de serviço, a existência ou inexistência de filhos menores e a eventual cumulação do divórcio com a partilha de bens do casal. Todas estas variáveis se fazem sentir no período de duração do processo que poderá ser, como vimos, mais ou menos dilatado.

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