Responsabilidades Parentais

Adoção em Portugal (por residentes em Portugal)  

O Ministério Público português classifica a Adoção como “uma forma de estabelecimento da relação de filiação entre uma criança privada de família e uma pessoa ou um casal.”

Instituto da Segurança Social, I. P., por sua vez, define a adoção como “um processo gradual que leva a que uma pessoa, individualmente considerada, ou um casal se tornem pai, mãe ou pais de uma ou mais crianças, permitindo a estas concretizar o seu direito fundamental de crescer num ambiente familiar, em clima de amor, segurança, cuidados e compreensão.”

Já a Lei n.º 143/2015, de 08 de Setembro, na sua versão atual, também conhecida por “Regime Jurídico do Processo de Adoção” (RJPA), apesar de não trazer uma definição jurídica para a adoção, define o processo de adoção como o “conjunto de procedimentos de natureza administrativa e judicial, integrando designadamente atos de preparação e atos avaliativos, tendo em vista a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adoção, a qual ocorre na sequência de uma decisão de adotabilidade ou de avaliação favorável da pretensão de adoção de filho do cônjuge;” (art. 2.º, al. h, do RJPA).

Há, porém, uma relevante distinção entre a adoção nacional e a adoção internacional. O critério relevante para essa distinção prende-se com a residência habitual da(s) criança(s), em comparação com aquela do(s) adotante(s), independentemente das suas nacionalidades.

Assim, a adoção internacional ocorre quando uma criança é transferida do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção (art. 2.º, al. a) do RJPA); e a adoção nacional ocorre quando a criança a adotar e o candidato à adoção têm residência habitual em Portugal (art. 2.º, al. b) do RJPA).

Neste artigo, pretendemos abordar algumas questões gerais, relacionadas com o processo de adoção nacional. Caso pretenda saber mais sobre a adoção internacional, poderá aceder ao nosso artigo sobre o tema a partir deste link.

1. Quem intervêm no processo de adoção?

Para além dos adotantes e adotados, o processo de adoção nacional é gerido por diversas entidades competentes, tal como definido no art. 1.º, n.º 2 do RJPA, e ainda conta com a intervenção de instituições particulares de solidariedade social e equiparadas e outras entidades de reconhecido interesse público sem caráter lucrativo (art. 1.º, n.º 3 do RJPA).

São entidades competentes em matéria de adoção nacional os organismos de segurança social, o Ministério Público e os tribunais.

  • Os organismos de segurança social, também chamados de “equipas adotantes”, são, nomeadamente, o Instituto da Segurança Social, I. P., o Instituto da Segurança Social dos Açores, I. P. R. A., o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, ou, no município de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (art. 7.º do RJPA).  

Estes organismos são compostos por uma equipa técnica que acompanha todos os intervenientes e fases do processo, incluindo profissionais devidamente qualificados e com formação nas áreas de psicologia, serviço social, direito e até profissionais da área da saúde e da educação, tudo em conformidade com o disposto nos art. 8.º e 9.º do RJPA.

A lei garante ainda a autonomia entre as equipas que intervêm na preparação, avaliação e seleção dos candidatos a adotantes e aquelas que procedem ao estudo da situação das crianças em situação de adotabilidade e à concretização dos respetivos projetos adotivos (art. 9.º, n.ºs 3 e 4 do RJPA).

 

  • O Ministério Público intervém em todo o processo de adoção defendendo os direitos e promovendo o superior interesse da criança, em conformidade com o disposto nos arts. 26.º e 27.º do RJPA.

 

  • Os tribunais, por fim, “exercem no processo de adoção as funções que a Constituição lhes confere, garantindo o cumprimento da lei, assegurando a promoção e defesa dos direitos das crianças e fazendo prevalecer o seu superior interesse, sem prejuízo da consideração devida aos interesses legítimos das famílias biológicas e dos adotantes ou candidatos à adoção.” (art. 28.º do RJPA), e têm as competências nessa matéria dispostas nos arts. 29.º e 30.º do mesmo diploma.

Importa ainda referir que toda adoção depende do estabelecimento do vínculo filial entre o(s) adotante(s) e o(s) adotado(s) por sentença judicial, proferida no âmbito de um processo próprio. Isto significa que os tribunais têm a “última palavra”, na formalização e concretização do processo adotivo.

2. Quem pode adotar?

O art. 1979.º do Código Civil português (CC), em conjunto com o disposto na Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro (Lei que eliminou as discriminações no acesso à adoção, apadrinhamento civil e demais relações jurídicas familiares), define os critérios a serem atendidos pelos adotantes. São, em suma:

  • Duas pessoas casadas entre si e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, há mais de 4 anos, se ambas tiverem mais de 25 anos e menos de 60 anos.
  • Duas pessoas a viverem em união de facto há mais de 4 anos, se ambas tiverem mais de 25 anos e menos de 60 anos.
  • Uma pessoa com mais de 25 anos e menos de 60 anos;
  • A partir dos 60 anos de idade, a adotação só é permitida se a criança ou jovem lhe tiver sido confiado antes de fazer os 60 anos ou se for filho do cônjuge.
  • A diferença de idades entre o adotante e o adotado não deve ser superior a 50 anos (com algumas exceções, relacionadas nomeadamente com o superior interesse do adotando, quando, por exemplo, se tratar de uma fratria em que relativamente apenas a algum ou alguns dos irmãos se verifique uma diferença de idades superior àquela).

Além disso, a Lei deixa a critério das equipas adotantes o preparo, avaliação e seleção dos candidatos a adotantes, determinando, porém, a obrigatoriedade de padronização e publicitação de critérios e procedimentos, conforme o disposto no art. 14.º do RJPA.

Além disso, a publicitação destes mesmos critérios e procedimentos é também obrigatória, designadamente mediante a sua divulgação nos sítios oficiais de todas as entidades intervenientes, “de forma a permitir o seu conhecimento por parte de todos os interessados.” (art. 14.º, n.º 2 do RJPA).

Em dezembero de 2021, de acordo com o “Relatório de Atividade Equipas de Adoção do ISS, I.P. e Autoridade Central para a Adoção Internacional 2021” pelo Instituto da Segurança Social, I. P. (doravante, Relatório), existiam 1145 candidaturas a aguardar proposta, correspondendo a 2046 candidatos, dos quais 244 candidatos de candidaturas singulares e 1802 candidatos de candidaturas conjuntas.

Em termos de caracterização dos candidatos à adoção, o Relatório conclui que “evidencia-se o seguinte perfil de candidato a aguardar proposta em 2021: candidato/a de candidatura conjunta, casado/a, com aproximadamente 40 anos de idade, com ensino superior e sem filhos.” (p. 21).

3. Quem pode ser adotado?

Nota-se que, previamente ao início do processo de adoção, é necessário ter havido uma comunicação por parte do Tribunal às equipas adotantes, nos termos do art. 39.º do RJPA, acerca da adotabilidade de uma criança.

Em regra, a adotabilidade terá sido determinada através do consentimento prévio para adoção (art. 35.º do RJPA) ou de uma decisão judicial definitiva em sede de processos de promoção e proteção ao abrigo da lei Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, ou “Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo” (LPCJ).

No ano de 2021, de acordo com o Relatório referido supra, as equipas de adoção foram chamadas a intervir em processos de adoção relativos a 164 novas crianças, sendo que dessas, “20 crianças receberam consentimento prévio para a adoção (ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do Art. 34° do RJPA); 19 tiveram prévia avaliação favorável de adoção de filho de cônjuge (alínea c) da mesma norma legal) e, as restantes 125 (76% do total), beneficiaram da declaração de adotabilidade decidida no âmbito de processo judicial de promoção e proteção, devidamente transitada em julgado (alínea a) do artigo em apreço)” (p. 9).

O Relatório destaca, ainda, no que toca às pretensões dos candidatos à adoção, os seguintes dados estatísticos, apresentados no quadro de apoio à Sessão A do PFA 2021, no Anexo 1, (p. 21):

  • Aproximadamente 70% das pretensões dos candidatos destinavam-se a crianças de 0 a 3 anos, enquanto que as crianças neste grupo etário eram cerca de 23% do total.
  • Por outro lado, as crianças com 7 ou mais anos correspondiam a 60%, enquanto que as pretensões dos candidatos para os respetivos grupos etários somavam 7%.
  • Cerca de 1/4 das pretensões dos candidatos estava direcionado para a adoção de irmãos. Daqueles que pretendiam fratrias, apenas 2% admitiam 3 irmãos, não havendo registo de candidaturas com pretensões acima desse número.
  • 31% das crianças revelavam problemas de saúde graves e 30% eram portadoras de deficiência, enquanto que as pretensões dos candidatos correspondiam a 0,2% e 1% para estas situações, respetivamente.”

E, na sua conclusão, refere que:

Numa perspetiva geral, mantém-se a existência de um número de candidaturas à adoção muito superior ao das crianças em situação de adotabilidade e a aguardar proposta. Paralelamente, verifica-se uma discrepância entre as características e as necessidades das crianças e as pretensões de quem quer adotar.

Efetivamente, cerca de metade das crianças que continuam a aguardar proposta de família adotiva têm necessidades adotivas particulares, o que não corresponde à pretensão dos candidatos. Sendo esta uma situação presente no universo da adoção, tem havido um investimento no conhecimento acurado das características destas crianças, dos constrangimentos técnicos, institucionais e culturais que podem dificultar o seu encaminhamento e dos recursos disponíveis para a promoção da sua adotabilidade.” (p.46)

4. Como funciona o processo de adoção?

Em termos bastante simplificados, o processo judicial de adoção é em si mesmo dividido em três fases ou etapas, de acordo com o disposto no art. 40.º do RJPA, que são as fases (1) preparatória, (2) de ajustamento entre crianças e candidatos e (3) final. Vejamos um breve resumo sobre cada uma delas:

  • Fase preparatória

Ora, a primeira fase, dita “preparatória”, está regulada nos arts. 40.º, al. a) e 42.º a 47.º do RJPA e é essencialmente encetada pelas chamadas equipas adotantes.

Essas equipas são responsáveis pela preparação, avaliação e seleção de candidatos a adotantes, e realizam estudos e intervenções junto desses candidatos, com vista à concretização do projeto de adoção. Dentre essas intervenções, se incluem, dentre outras diligências, a realização de sessões formativas e entrevistas psicossociais aos candidatos à adoção (art. 44.º do RJPA) e ações de preparação complementar (art. 47.º do RJPA).

Uma vez aceite a candidatura para a adoção, é emitido um certificado de seleção e o candidato passa a integrar a lista nacional para adoção (art. 10.º do RJPA), devendo aguardar que lhes seja proposta uma criança a adotar.

Por outro lado, as equipas de adoção realizam também o chamado estudo de caracterização da criança com decisão de adotabilidade, intervindo junto das mesmas de forma a identificar todo o seu histórico de vida, seja familiar, de saúde, judicial etc., bem como as suas necessidades específicas.

Uma vez concluído o diagnóstico das necessidades da criança em situação de adotabilidade (diagnóstico este que é submetido ao tribunal e atualizado trimestralmente ou sempre que ocorram circunstâncias supervenientes que o justifique, nos termos do art. 42.º do RJPA), inicia-se a segunda fase do processo, a fase de ajustamento.

  • Fase de ajustamento

Esta fase está regulada nos arts. 40.º, al. b) e 48.º a 51.º do RJPA. Após a análise individual das crianças em situação de adotabilidade, e dos candidatos à adoção, realizados na primeira fase do processo, as equipas de adoção desenvolvem atividades para aferição da correspondência entre as necessidades da criança e as capacidades dos candidatos, organização do período de transição e acompanhamento e avaliação do período de pré-adoção.

Note-se que é apenas durante o período de transição que se promove o conhecimento mútuo, com vista à aferição da existência de indícios favoráveis à vinculação afetiva entre o adotando e o candidato a adotante (art. 49.º, n.º 1 do RJPA). Assim, através da promoção pelo período máximo de 15 dias de encontros devidamente preparados, observados e por vezes até participados pelas equipas competentes, assegura-se a devida gestão emocional e de expectativas da(s) criança(s), promovendo pelos seus Superiores Interesses.  

Não havendo qualquer obstáculo à continuidade do processo, inicia-se o período de pré-adoção, a partir do qual se passará à integração da criança na família adotante. O organismo de segurança social ou instituição particular autorizada acompanha essa integração, avaliando a viabilidade do estabelecimento da relação parental, num período de pré-adoção não superior a seis meses (art. 50.º, n.º 1 do RJPA).

Este último período tem como objetivo a construção e a consolidação do vínculo familiar, e, no caso favorável, termina com a elaboração pelo organismo de segurança social ou a instituição particular autorizada de relatório no qual conclui com parecer relativo à concretização do projeto adotivo.

  • Fase final

A fase final do processo de adoção inicia-se com o requerimento apresentado pelo adotante junto do tribunal competente (art. 52.º, n.º 1 do RJPA), o qual deve ser apresentado em conformidade com o disposto nos arts. 52.º e 53.º do RJPA.

O juiz ouvirá o adotante, as pessoas cujo consentimento a lei exija e não haja sido previamente prestado ou dispensado, e o adotando, nos termos e com observância das regras previstas para a audição de crianças nos processos tutelares cíveis; além disso, ordenará as diligências que se afigurem necessárias, em conformidade com o disposto nos arts. 54.º, 55.º e 56.º, n.º 1, do RJPA.

Por fim, será proferida uma sentença, que, sendo favorável à adoção, implicará a extinção do vínculo da filiação biológica, que será averbada ao assento de nascimento do adotado, nos termos previstos no Código de Registo Civil.

Excecionalmente, a sentença pode estabelecer a manutenção de contactos pessoais entre o adotado e elementos da família biológica, verificadas as condições e os limites previstos no n.º 3 do artigo 1986.º do Código Civil (art. 56.º, n.º 5, do RJPA).

O Relatório melhor identificado supra, revela que “Segundo a Direção-Geral da Política da Justiça/Ministério da Justiça, em 2021, foram finalizados 204 processos de adoção em todo o território nacional (…)” (p.33).


Carla Chibeni

Shopping cart

0
image/svg+xml

No products in the cart.

Continue Shopping