Medidas disciplinares em ambiente escolar (sanções escolares aplicáveis à criança à luz do estatuto do aluno)
O estabelecimento de ensino assume um papel fulcral no desenvolvimento social, intelectual, cívico e cultural da criança, sendo no ambiente escolar que o jovem adquirirá as competências cognitivas e socioafetivas necessárias para uma adequada transição para a idade adulta.
As especificidades próprias do ambiente escolar justificam não só a atribuição de um conjunto significativo de direitos às crianças que nele se encontram inseridas como a fixação de amplos deveres em função dos quais estas deverão nortear a sua conduta dentro do estabelecimento de ensino básico ou secundário, que em Portugal se encontram previstos no Estatuto do Aluno e Ética Escolar.
O EA é complementado pelo regulamento interno de cada escola, que tem como principal função o desenvolvimento do regime decorrente do EA e a adequação das regras nele constantes à realidade específica de cada estabelecimento de ensino, podendo prever direitos e deveres adicionais que acrescem aos que resultam do elenco legislativo.
Os deveres do aluno assumem especial relevância, dado que a sua violação reiterada ou em termos perturbadores do funcionamento normal das atividades da escola ou das relações no âmbito da comunidade educativa poderá ser suscetível de configurar uma infração disciplinar escolar que desencadeará a aplicação de sanções disciplinares.
A natureza dual das sanções disciplinares
Dentro das medidas disciplinares é possível distinguir as medidas disciplinares corretivas, como a ordem de saída da sala de aula ou a mudança de turma, que visam apenas a prossecução de fins pedagógicos, preventivos, dissuasores e de integração do aluno, das medidas sancionatórias, como sejam a suspensão ou expulsão do aluno, que para além destas finalidades pedagógicas prosseguem igualmente fins estritamente punitivos. O elenco de medidas corretivas constante do EA é meramente exemplificativo, admitindo-se que sejam contempladas no regulamento interno escolar outras medidas corretivas que prossigam fins análogos. Já o elenco de medidas sancionatórias é taxativamente enumerado no EA, não se admitindo a criação de novas medidas sancionatórias através do regulamento interno.
Dado que as infrações disciplinares podem assumir os mais variados contornos, justificando que sejam desencadeadas consequências especificamente adaptadas à concreta infração desenvolvida e à criança que nela incorreu, o EA não prevê diretamente qual a sanção aplicável a determinado tipo de infração disciplinar, sendo conferido ao estabelecimento de ensino uma margem de discricionariedade na aplicação de sanções disciplinares.
Todavia, ao determinar a concreta medida a aplicar terá sempre de se considerar a concreta infração disciplinar que a suscitou, tomando em especial consideração, a gravidade do incumprimento do dever, as circunstâncias atenuantes e agravantes, o grau de culpa do aluno, o seu grau de maturidade e até as respetivas condições pessoais, familiares e sociais da criança infratora. Assim, ainda que exista alguma discricionariedade administrativa por parte do estabelecimento de ensino na determinação das medidas disciplinares a aplicar, esta não pode em caso algum implicar uma total arbitrariedade das mesmas, o que seria de todo o modo incompatível com a prossecução do superior interesse da criança, devendo as sanções disciplinares aplicadas ser proporcionais à infração incorrida.
As medidas corretivas e as medidas sancionatórias são cumuláveis entre si. Significa isto que uma medida direcionada à alteração das tendências comportamentais subjacentes à infração disciplinar poderá, caso a gravidade da infração assim o justifique, ser acompanhada de uma medida adicional destinada a castigar a criança pelo seu comportamento inadequado.
A aplicação de medidas disciplinares não afasta, no entanto, eventual responsabilidade civil ou criminal do menor pelo que quando a conduta da criança, sendo esta maior de 12 anos, puder constituir facto qualificado como crime, deve a direção da escola comunicar o facto ao Ministério Público junto do tribunal competente. Caso a criança tenha menos de 12 anos de idade a comunicação referida deve ser dirigida à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.
O procedimento disciplinar
As medidas disciplinares corretivas, em função da sua finalidade eminente pedagógica e da menor gravidade tanto da própria medida em si como da conduta que a suscitou, não exigem um procedimento disciplinar agravado, bastando que a entidade que as aplique seja competente para o fazer. Dentro da sala de aula, a competência para aplicação da advertência e ordem de saída da sala de aula compete apenas ao respetivo professor, sendo que fora da sala de aula qualquer professor ou pessoal não docente poderá aplicar a advertência à criança. Já outras medidas corretivas como a mudança de turma apenas poderão ser aplicadas pelo diretor do agrupamento de escolas.
Já as medidas disciplinares sancionatórias, em função da sua gravidade, têm necessariamente de ser antecedidas por um procedimento disciplinar próprio, que inclui necessariamente a audição do Encarregado de Educação enquanto representante da criança. A competência para aplicação de medidas sancionatórias compete exclusivamente ao diretor do agrupamento de escolas, com exceção da repreensão registada que poderá pelo próprio professor. A execução das medidas disciplinares compete em regra ao diretor de turma, podendo, no entanto, ser nomeadas equipas multidisciplinares para acompanhar alunos que revelem maiores dificuldades.
Meios de reação à sanção disciplinar aplicada
As sanções disciplinares não são absolutas e incontestáveis, podendo o Encarregado de Educação, enquanto representante legal da criança, reagir contra a sanção disciplinar aplicada caso esta seja aplicada por uma entidade incompetente para o efeito, ou que esta se mostre desadequada e/ou desproporcional à concreta infração disciplinar incorrida pela criança.
Existem duas formas possíveis de reação contra uma sanção disciplinar, podendo o Encarregado de Educação, no prazo de cinco dias úteis a contar da decisão final de aplicação de medida disciplinar, interpor recurso hierárquico a ser apreciado pelo conselho geral do agrupamento de escolas ou, em alternativa, podendo o representante da criança optar pela impugnação contenciosa da sanção disciplinar concretamente aplicada através dos tribunais administrativos.
A infração disciplinar escolar no ensino privado
O EA apenas se aplica aos alunos dos ensinos básico e secundário que frequentam estabelecimentos públicos de educação não abrangendo as escolas particulares de natureza privada, ainda que integradas no sistema de ensino. De facto, tratando-se de entidades privadas cujo poder-dever de educar e disciplinar as crianças decorre de uma relação contratual mantida com os representantes legais da mesma, a ação disciplinar exercida pelas escolas do ensino particular relativamente aos seus alunos corresponde a uma prerrogativa contratual da escola, não se sujeitando a qualquer regime de direito público.
Deste modo, os direitos e deveres dos alunos, bem como o as consequências resultantes de uma eventual infração disciplinar, decorrem exclusivamente do regulamento interno do estabelecimento de ensino, ainda que este deva ter como referência o regime do EA, dispondo o estabelecimento de ensino privado de uma grande margem de discricionariedade ao aplicar medidas disciplinares, algo que decorre do facto de terem sido os próprios progenitores a iniciarem voluntariamente uma relação contratual com o respetivo estabelecimento, estando o poder disciplinar das escolas privadas apenas limitado pelos limites gerais inerentes aos contratos, nomeadamente a boa-fé, bons costumes e ordem pública, bem como pelos direitos de personalidade da criança.
Ivo Morgado