Casamento, Regime de Bens

O dever de contribuição dos cônjuges para o pagamento das despesas domésticas

Os cônjuges ficam ligados ao cumprimento de diversos deveres a partir do momento em que celebram o casamento. Entre os deveres mais conhecidos de fidelidade, respeito e coabitação, os esposos ainda devem prestar assistência e cooperação um ao outro, como é natural.

O dever de assistência consiste na obrigação de cada um dos cônjuges contribuir para os encargos da vida familiar. Naturalmente, este é um dever que tem origem nas mais variadas necessidades dos diversos membros do agregado familiar.

Contribuições em dinheiro e em espécie

A lei divide a contribuição em dois tipos, a contribuição em dinheiro e a contribuição em espécie. Quando o cônjuge aloca os seus rendimentos, parcial ou totalmente, para satisfazer necessidades da família, como a alimentação, habitação, etc., está a contribuir em dinheiro. Está incluída nesta contribuição a obrigação de alimentos, que por norma faz parte integrante desta contribuição, só se autonomizando em caso de ruptura da vida comum.  A execução das tarefas domésticas e educação dos filhos, que é um trabalho vital em prol da família, é um exemplo do que são as contribuições em espécie.

De salientar que a lei não oferece critérios taxativos para se apurar o que é e o que não é um encargo da vida familiar, tendo em conta a vastidão de encargos a que os cônjuges têm de fazer frente atualmente, e até é preferível, pois assim os cônjuges têm liberdade para definirem, e dividir entre si, os encargos familiares, tanto mais que o que constitui necessidades da economia doméstica varia de casal para casal consoante a sua condição económica e social.

A proporcionalidade da contribuição

A contribuição feita por cada um dos esposos não tem de ser estritamente igual. Antes, cada um deve contribuir de acordo com as suas aptidões, capacidades e diferenças entre si, tendo em conta precisamente o que é desigual entre si. O mais importante é que haja uma harmonia entre os cônjuges que se manifeste, à luz do princípio da igualdade, em contribuições proporcionais de acordo com as possibilidades de cada um. Daí, os cônjuges podem complementar-se entre si e enquanto um contribui com trabalho doméstico, o outro paga as despesas da família e vice-versa. Até há relativamente pouco tempo era este o sistema em vigor na Europa Ocidental. Mas com a entrada das mulheres, em grande número, no mercado de trabalho a posição de quem fazia esta ou aquela contribuição doméstica foi sendo cada vez mais – e bem! – diluída progressivamente de forma a tanto marido como mulher serem capazes de tanto terem uma carreira profissional frutuosa como contribuírem para o trabalho doméstico.

O único tipo de encargos estritamente estranho ao dever conjugal de contribuição acaba por ser aquele que colide com a própria ideia de vida em comum, ou seja, que viole outros deveres conjugais. Estamos a falar de situações como quando um cônjuge compra um objeto caro, para decoração do lar, sabendo perfeitamente que tal objeto atinge de forma profundamente ofensiva a sensibilidade estética do outro, ou, num caso mais extremo, as despesas de alojamento num hotel por um cônjuge com vista à prática de adultério.

 

E o que fazer, então, se um dos esposos viola sistematicamente o dever de contribuir para os encargos da vida familiar, por exemplo recusando contribuir, podendo fazê-lo, para o pagamento das despesas da família?

 Como é de esperar, no caso de haver recusa em partilhar as despesas da família a consequência mais comum será a separação e divórcio do casal. Mas nem sempre é assim. É um caso menos comum, mas por vezes o cônjuge lesado quer manter o matrimónio. Nestas situações, a lei prevê então um processo especial cujo objetivo é precisamente apurar se um dos cônjuges não está a cumprir, podendo e devendo cumprir, com a sua contribuição para os encargos da família. Assim também se desconstrói um mito relacionado com o Direito da Família, o da não intervenção judicial na relação conjugal a não ser que haja ruptura da vida comum. Daí, se o tribunal entender que, efetivamente, um dos cônjuges não presta a contribuição devida, fixará um montante mensal, julgado razoável e adequado, a entregar por um dos cônjuges ao outro.

De modo geral, a fixação desse valor exigível ao outro cônjuge implica uma operação em que se identifique e avalie todos os encargos da vida familiar e se avalie a capacidade contributiva de cada cônjuge para esses encargos respetivamente. Ora a lei repartiu em duas categorias a forma de contribuição para tais encargos. Por um lado, temos a afetação de recursos, as contribuições em dinheiro vistas acima, as quais são, evidentemente, as mais facilmente quantificáveis em valores monetários, dado serem os ganhos do trabalho, os dividendos, as pensões, as rendas, etc. Por outro lado, temos o trabalho despendido na manutenção do lar e educação dos filhos, as chamadas contribuições em espécie (também referidas no início do texto) o que logicamente é de avaliação deveras complicada, mas imperiosa porque a lei visa reconhecer o valor económico do trabalho doméstico e educação dos filhos.

Ora, o tribunal pode determinar logo o desconto, todos os meses, desse montante mensal no salário do cônjuge prevaricador pela respetiva entidade patronal, que fará chegar essa quantia ao outro cônjuge. É uma clara demonstração da possibilidade de haver execução especifica do dever conjugal de assistência, que pode ser cumprido mediante a realização de prestações fungíveis

Existem também os casos em que um dos cônjuges contribui além do que lhe é exigido, ou esperado, para os encargos da vida familiar. Nestas situações, havendo o divórcio do casal, esse cônjuge poderá obter uma compensação em virtude do sacrífico excessivo realizado exclusiva ou predominantemente de forma a contribuir para as despesas familiares em vez de exercer profissão e progredir na carreira. O caminho para se chegar a um valor certo e preciso nestes casos ainda é bastante sinuoso, porque exige um “sacrifício excessivo”, mas não oferece linhas orientadoras concretas para se apurar em que consiste ao certo um “sacrifício excessivo”.

 Por fim, não deixa de ser importante notar que o legislador quis deixar às partes, aos cônjuges, a autonomia de vontade para acordarem e fixarem entre si o modo como será cumprido este dever entre si, uma solução reveladora do próprio espírito que rege o casamento. A lei não cria hierarquias de encargos, não fixa valores mínimos ou máximos afetados a certos encargos, nem impõe qualquer forma especial de contribuição aos cônjuges. A contribuição para os encargos da vida familiar é, portanto, um domínio em que se privilegia uma maior margem de autonomia da vontade das partes nos acordos sobre a orientação da vida em comum pelo casal.

 

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