Findo o casamento celebrado sob um regime de comunhão de bens, há que proceder à divisão dos bens acumulados durante o período de duração deste (nos casamentos celebrados sob o regime da comunhão de adquiridos) ou, porventura, dividir também os bens que os cônjuges já possuíam à data do casamento (regime da comunhão geral) ou aqueles cuja comunicabilidade tenha sido convencionada pelos cônjuges, em convenção antenupcial (sobre a possibilidade de fixar regime diferente dos legalmente previsto, V. o nosso texto neste link).
O processo judicial destinado a pôr termo à comunhão e a proceder à divisão destes bens designa-se “inventário”, e pode ser instaurado por qualquer um dos ex-cônjuges. Nos casos de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, o processo decorre obrigatoriamente no tribunal judicial; já nos casos de divórcio por mútuo consentimento, havendo acordo dos interessados, o processo pode decorrer no cartório notarial.
Fase Inicial
No início do processo de inventário, é designado o cabeça de casal, a quem incumbe apresentar a relação de bens (v. infra).
Nos casos de inventário para proceder à partilha de bens do casal, manda a lei que este papel caiba ao cônjuge mais velho. Porém, este poderá ser substituído, mediante acordo dos interessados ou requerimento de escusa (por idade avançada, doença, etc.) ou de remoção (por não exercer a função com o zelo e honestidade que lhe eram exigidos).
Caso alguns dos bens estejam na posse do outro cônjuge ou de terceiro, e tal constitua impedimento à relação desses bens pelo cabeça de casal, pode este solicitar ao tribunal que notifique o possuidor, para que este faculte o acesso a esses bens e forneça os elementos necessárias à respetiva inclusão na relação de bens.
Relação de Bens
De modo a proceder à partilha, é necessário apresentar todas informações necessárias à identificação dos bens a partilhar. Tais informações incluem, por exemplo, a apresentação de créditos e dívidas do património comum, a identificação dos respetivos devedores e credores, a listagem dos bens comuns do casal e identificação do seu valor, etc.
Essas informações integram a chamada “relação de bens” sendo prestadas, sob compromisso de honra, pelo cabeça de casal.
A relação de bens é organizada em verbas (ficando cada bem individualizado num artigo ou item próprio), divididas em ativo e passivo (e numeradas de acordo com uma ordem pré-estabelecida na lei). Os bens móveis, porém, podem ser agrupados quando destinados à mesma função, desde que tal não prejudique a sua divisão.
De modo a agilizar o processo, sempre que o cabeça de casal instaurar o inventário, o seu requerimento deve logo incluir a relação de bens. Quando o processo for instaurado pelo outro cônjuge, este é advertido, no momento da citação, de que dispõe de 30 dias para juntar os elementos necessárias ao aperfeiçoamento, correção ou aditamento da relação de bens.
Apesar de a apresentação da relação de bens incumbir ao cabeça de casal, o outro cônjuge também terá de colaborar nesta tarefa. Com efeito, não só terá de ser ele a apresentar, na medida do seu conhecimento, uma relação de bens provisória quando seja ele a requerer a abertura do processo de inventário, como será dele o ónus de reclamar e impugnar as informações apresentadas pelo cabeça de casal no tempo devido, sob pena da relação de bens apresentada se dar por confirmada.
Assim, após a apresentação da relação de bens, poderá o outro cônjuge, por exemplo, deduzir oposição à relação de bens apresentada, identificando os bens omitidos pelo cabeça de casal, questionando a qualificação de determinado bem como comum ou impugnar dívidas que julgue não serem da responsabilidade de ambos os cônjuges, etc.
Na eventualidade de, na sequência da relação de bens e oposição deduzida, subsistirem dúvidas, o tribunal poderá solicitar às Partes esclarecimentos ou elementos adicionais, após o que, se for caso disso, poderá ser realizado um julgamento para apreciação das provas oferecidas pelas partes.
Despacho Saneador
Encontrando-se o tribunal em condições de resolver as questões controvertidas e determinar os bens a partilhar, o juiz define, por despacho, qual o valor do património comum que cada uma das partes tem a receber.
A este respeito, vigora a regra constante do do art. 1730º do Código Civil, «os cônjuges participem por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso».
Em casos de divórcio, independentemente do regime de bens, esta regra terá de ser sempre observada , considerando-se que o divórcio não deverá permitir a um dos cônjuges enriquecer-se à custa do outro, dividindo-se equitativamente o que foi obtido através de um esforço comum.
Tal não significa que os dois ex-cônjuges terão necessariamente de receber o mesmo valor, uma vez que, sendo a partilha o momento de acerto final de contas, é também nela que são saldadas as dívidas de um cônjuge em relação ao outro, quando existam.
Esta operação é feita através do ajuste do valor das meações, crescendo a meação do cônjuge credor no valor da dívida, e verificando-se a correspondente diminuição da meação do cônjuge devedor.
Existirão dívidas de um cônjuge em relação ao outro, por exemplo, quando os bens próprios de um dos cônjuges tenham respondido ao pagamento de dívida da exclusiva responsabilidade do outro; Ou, ainda, quando um dos cônjuges tenha direito a ser compensado por ter contribuído de forma sensivelmente superior para os encargos da vida familiar, nomeadamente prestando trabalho doméstico ao lar e renunciando, total ou parcialmente, à sua carreira profissional (V. nosso artigo no Jornal Público sobre esta matéria).
Estas dívidas não incluem, porém, eventuais indemnizações por danos causados pelo outro cônjuge durante a constância do casamento (já que o seu reconhecimento pressupõe a instauração de ação de condenação do outro cônjuge por esses danos, mediante o preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, em processo autónom
A conferência de interessados e o mapa da partilha
No despacho sandeador, o juiz fixa ainda o dia para a realização de conferência de interessados.
Nesta conferência, o juiz incentiva as partes a encontrar uma solução amigável, ainda que apenas parcial, para a distribuição dos bens entre as partes. Aí, as partes poderão chegar a acordo quanto aos bens a atribuir (ou a adjudicar) a cada um ou quanto à forma da sua distribuição, podendo acordar na distribuição por sorteio ou na distribuição do produto de parte ou da totalidade dos bens.
Na falta de acordo, as partes licitam os (restantes) bens entre si, sendo os bens adjudicados à meação do cônjuge que por eles oferecer maior valor.
Sendo a Casa de Morada de Família bem comum, a sua adjudicação a um cônjuge não impossibilita a sua entrega, pelo tribunal, ao outro ex-cônjuge, a título de arrendamento, atendendo às necessidades de cada um e ao interesse dos filhos do casal.
Finda a conferência, os cônjuges deverão apresentar uma proposta de mapa de partilha (isto é, documento que clarifique o valor líquido do património coletivo, o valor das meações e os bens a adjudicar a cada uma delas). Caso estas apresentem divergências, estas são solucionadas pelo Juiz, que ordena a elaboração de novo mapa de partilha pela secretaria. Deste podem os cônjuges reclamar; não sendo apresentada reclamação, é proferida sentença homologatória da partilha constante do mapa.
Nos casos em que a um dos cônjuges seja adjudicado valor superior à sua meação, tem o outro cônjuge direito a “tornas”, isto é, o direito a receber em dinheiro o valor em falta para o preenchimento da sua meação.
Em regra, a entrega dos bens a cada um dos cônjuges só ocorre após o trânsito em julgado da sentença; porém, havendo interesse atendível, podem ser entregues previamente bens sujeitos a registo (ficando mencionado no registo o caráter não definitivo da adjudicação).
As custas do processo são, nos termos do art. 1134º do Código de Processo Civil, «da responsabilidade de ambos os interessados, na proporção de metade por cada um».
Nuno Cardoso Ribeiro
Catarina Martins Caeiro