Responsabilidades Parentais

O que são questões de particular importância?

O que são questões de particular importância?

Apesar da lei não estabelecer o que se deve entender por questões de particular importância, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a concretizar este conceito indeterminado, por recurso a vários exemplos.

Reúnem consenso como exemplos de questões de particular importância, entre outros (inspirados no Guia disponível neste link):

  • A determinação do local de residência da criança, sempre que este implique mudança geográfica significativa, para o estrangeiro ou dentro do mesmo país;
  • A escolha e inscrição da criança numa escola pública ou privada;
  • As intervenções cirúrgicas que impliquem risco para a vida ou integridade física (incluindo as de ordem estética);
  • A obtenção de emprego por parte do jovem menor de 18 anos, ou a participação de crianças em espetáculos, atividades artísticas, culturais ou com fins publicitários;
  • A educação religiosa até aos 16 anos;
  • As saídas para o estrangeiro, mesmo que de curta-duração;
Note-se que, relativamente às saídas de férias para o estrangeiro, o nosso coordenador, Nuno Cardoso-Ribeiro, e muitos tribunais, entendem que não se está perante uma questão de particular importância e, assim, não carecem do consentimento do outro progenitor. A propósito leia aqui o artigo do nosso coordenador no público.

Como se poderá constatar, todas as questões elencadas correspondem a decisões existenciais e raras na vida de uma criança, daí que a lei exija que as mesmas sejam tomadas em conjunto por ambos os pais, nos termos que vigoravam na constância do casamento (ou da união de facto). Assim, e independentemente da circunstância da criança residir habitualmente com um dos pais ou de com um deles ter pouco contacto com o filho, nenhum progenitor poderá impor ao outro uma decisão unilateral, só se admitindo que um dos pais aja sozinho em situações de manifesta urgência – caso em que deverá informar o outro tão cedo quanto possível, nos termos do art. 1906.º, n.º 1, do Código Civil.

O regime só não será este em certas situações de excecional gravidade e em que o tribunal entende que as decisões deverão ser tomadas apenas por um dos progenitores. Em casos de violência doméstica, por exemplo, ou outras formas de violência em contexto familiar, admite-se a possibilidade desse exercício seja julgado contrário aos interesses da criança, através de decisão judicial fundamentada, nos termos do art. 1906.º, n.º 2, do Código Civil.

Sendo o regime do exercício conjunto quanto a questões de particular importância a regra, muitas serão as situações em que os pais têm posições divergentes quanto à melhor decisão a tomar. Nessa eventualidade, qualquer um deles poderá recorrer ao tribunal para a resolução do diferendo. Se assim ocorrer, o tribunal procurará primeiramente conciliar os pais, decidindo, caso a conciliação se mostre impossível, de acordo com o superior interesse da criança.

 

Como são exercidas as responsabilidades parentais em Portugal?

Em Portugal, uma vez estabelecida a filiação, os pais são automaticamente investidos na titularidade das responsabilidades parentais. Isto significa, em síntese, que até que os filhos atinjam a maioridade (ou sejam legalmente emancipados, por efeito da celebração de casamento antes dos 18 anos), serão os pais quem velará pela sua saúde e segurança, garantirá o seu sustento, dirigirá a sua educação e, bem assim, administrará os seus bens, cf. arts. 1877.º e 1878.º/1, do Código Civil.

Na constância do casamento, ou de união de facto, a lei estabelece que as responsabilidades parentais devem ser exercidas de comum acordo, esperando-se que os pais tomem decisões conjuntas quanto a todos os aspetos da vida dos filhos. Este esquema, porém, não pode ser mantido num contexto de separação, por implicar constante diálogo entre os progenitores – circunstância que, no limite, poderá potenciar o conflito parental.

Como tal, e sem prejuízo da necessidade de proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais, a lei reduz a necessidade de mútuo acordo à decisão de aspetos especialmente relevantes para a vida dos filhos: as chamadas “questões de particular importância”.

Atos da Vida Corrente

O regime exposto difere radicalmente do regime dos chamados atos da vida corrente, relativos às decisões mais frequentes na vida de uma criança, relativas à gestão do seu dia-a-dia.

À semelhança do que ocorria a propósito dos atos de particular importância, a lei não estabelece o que se deve entender por atos da vida corrente, porém podem indicar-se como exemplos destes atos as decisões relativas ao tipo de alimentação da criança, à sua higiene diária e vestuário ou as decisões sobre idas a festas aniversário, cinema ou saídas à noite.

Não sendo expectável que tais decisões impliquem consequências muito significativas para a vida da criança, não é exigível que ambos os pais participem no processo de decisão, admitindo-se, nos termos do art. 1906.º, n.º 3, do Código Civil, que a decisão seja tomada unilateralmente, apenas por um dos progenitores.

Nos casos em que a criança resida habitualmente com um dos pais, será este que, por passar a maior parte do tempo com a criança, tomará a maioria das decisões incluídas neste conceito. Porém, estes atos também poderão ser praticados pelo outro progenitor, quando este tenha a criança consigo – apenas com uma limitação: este progenitor não poderá contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como estabelecidas pelo progenitor-residente.

Contextualizando, isto significa que, apesar de um dos pais, no âmbito do seu direito de visita, poder livremente definir a dieta da criança, já não a poderá impossibilitar, por exemplo, de frequentar as atividades extracurriculares em que esteja inscrita, devendo antes assegurar a sua assiduidade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, disponível aqui).

Já nos casos em que a criança resida com ambos os pais, de forma alternada, ambos os pais podem praticar livremente os atos da vida corrente que entenderem convenientes, nos períodos em que tiverem a criança a seu cargo. É desejável, contudo, que estabeleçam por comum acordo as orientações educativas mais relevantes, não se podendo admitir que os pais se contrariem reciprocamente, mediante a prática de atos da vida corrente incompatíveis.

Este é um dos motivos pelos quais o estabelecimento da residência alternada, embora não dependa da concordância dos progenitores nesse sentido, recomende que os pais sejam capazes de dialogar e negociar de forma salutar, esperando-se maior capacidade de articulação e negociação do que aquela que é exigível aos pais num modelo de residência habitual da criança.

Catarina Caeiro Martins

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