Divórcio

Divórcio Electrónico

Passados dois anos desde o início da pandemia de COVID-19, falar na ascensão de novas formas de se viver em sociedade já não é assim tanta novidade: teletrabalho, telescola, consultas médicas por vídeo, conferências e até comemorações virtuais são hoje uma realidade. É ainda certo que o Ordenamento jurídico português não se deve manter alheio a essas novas realidades, e foi precisamente com este intuito que o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 126/2021, de 30 de Dezembro.

Lê-se logo no seu Sumário:

“(…) afigura-se oportuno criar condições que permitam a prática à distância de atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos que exigem a presença dos interessados no ato perante o profissional que os lavra.”

O Decreto-lei entrou em vigor no passado dia 04 de Abril de 2022 e vigorará por dois anos, com possibilidade de reavaliação e renovação. Há ainda um elenco de situações específicas que se poderão aplicar o novo regime, previsto nos números 2 a 5 do artigo 1.º, e que incidem essencialmente sobre as seguintes matérias:

• Procedimentos associados à aquisição e registo de um imóvel num só momento;
• Separação ou divórcio por mútuo consentimento;
• Habilitação de herdeiros com ou sem registos.

Em outras palavras, significa que já é possível realizar por videoconferência atos jurídicos que deveriam tipicamente  ser realizados na presença de um notário ou conservador e oficial de registo – nomeadamente, atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos que requeiram a presença dos intervenientes perante conservadores de registos, oficiais de registos, notários, agentes consulares portugueses, advogados ou solicitadores.

Essa intervenção eletrónica, totalmente facultativa, ocorrerá através de uma plataforma informática disponibilizada pelo Ministério da Justiça especialmente concebida para o efeito. Qualquer interessado que pretenda lançar mão deste serviço, detentor de Cartão de Cidadão ou Chave Móvel Digital, pode usufruir do mesmo. O acesso à plataforma ainda é permitido a cidadãos de outros Estados-Membros da UE.

Levanta-se, então, um questionamento acerca de se, e em que medida, este novo diploma altera os procedimentos no âmbito do Direito da Família, em especial os casos de divórcio por mútuo consentimento, que esclarecemos a seguir.

O divórcio por mútuo consentimento depende de um processo que pode correr na Conservatória do registo civil ou em Tribunal. Quando o casal estiver de acordo em relação à regulação das responsabilidades parentais atinentes às crianças e jovens, pensões de alimentos, destino da casa de morada de família e guarda dos animais de companhia, o processo corre na Conservatória. Quando faltar um ou vários desses acordos, o processo corre nos Tribunais.

No caso do processo correr na Conservatória, tem lugar uma conferência na presença do conservador para verificação de pressupostos legais e dos acordos estabelecidos entre as partes.

Em termos práticos, o que este novo Decreto-lei veio regular é justamente a realização dessa conferência – e dos atos produzidos pelo conservador neste âmbito – por meios eletrónicos. Inclusive, é permitido o acompanhamento do processo por advogado ou solicitador à distância, tal como seria presencialmente.

No dia agendado para a videoconferência, o conservador deverá seguir uma série de formalidades para garantir o bom funcionamento do processo; nesse sentido, para além da interrupção do processo caso não se verifiquem os requisitos formais, o conservador também pode recusar a prática do ato caso este tenha dúvidas sobre: a identidade dos intervenientes ou a sua livre vontade; a capacidade dos intervenientes; a genuinidade ou integridade dos documentos apresentados. Releva ainda a possibilidade de recusa ou interrupção do processo caso as condições técnicas necessárias (como a qualidade do vídeo e do áudio dos intervenientes) não sejam suficientes para o seguimento do mesmo.

Por outro lado, caso sejam verificadas todas as condições necessárias para garantir a integridade do processo, todos os documentos lavrados terão o mesmo valor legal daqueles que seriam produzidos presencialmente. O processo termina, então, com a submissão dos documentos assinados (com assinatura eletrónica qualificada) pelo profissional competente na plataforma informática, aos quais são dispensados selo.

Podemos concluir que a alteração legislativa não implica grandes mudanças no processo de separação ou divórcio em si mesmos – a única diferença consiste na transferência da presença física das partes em Conservatória para a presença virtual ou eletrónica. O tempo e a experiência dirão se, na prática, será viável manter a longo prazo esse novo meio de “divórcio eletrónico”, mas não restam dúvidas de que está em causa um avanço legislativo que pretende trazer mais comodidade, conforto e até segurança para aqueles que assim desejarem; ainda mais em um momento delicado para as pessoas como o da dissolução do casamento.


Carla Chibeni

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