Quem pode ser deserdado? Quem é indigno de herdar?
Nem sempre as relações familiares se pautam pela harmonia e alguns dos nossos clientes questionam-nos se será possível deserdar um filho, um pai ou um neto.
A resposta a esta questão será, na maior parte das vezes, negativa.
Com efeito, a lei prevê que determinados familiares daquele que falece deixando bens, o chamado autor da sucessão, não poderão ser impedidos de herdar. Referimo-nos aos “herdeiros legitimários” – o cônjuge, os descendentes (filhos e, nalguns casos, os netos, com exclusão dos adotados) e os ascendentes (excluindo-se destes os adotantes) – do autor da sucessão, os quais, em condições normais, têm direito à “legítima”, que corresponde à parcela da herança de que o autor da sucessão não pode legalmente dispor.
A lei prevê, não obstante, algumas circunstâncias que permitem a deserdação de um filho ou outro herdeiro legitimário, ou seja a perda do seu direito à referida legítima.
Assim,a deserdação poderá ter lugar quando o sucessível tenha sido condenado por crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adotante ou adotado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão.
Uma segunda possibilidade verifica-se quando o sucessível tenha sido condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas.
Por último, poderá existir deserdação quando o sucessível se tenha recusado a prestar, sem justa causa, alimentos ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos.
Conforme se constata, os casos em que se poderá deserdar um filho serão muito residuais, daí que, por vezes, se recorra a artifícios destinados a contornar a proibição legal. Será o que sucede, por exemplo, quando o autor da sucessão se desfaz, ficticiamente, do seu património, de tal sorte que, à data da sucessão, não exista já qualquer herança a receber pelo herdeiro legitimário. É claro que, nesta eventualidade, o herdeiro prejudicado pelos atos de disposição patrimoniais simulados poderá, com maior ou menor sucesso, impugnar judicialmente o negócio.
Caso haja impossibilidade fáctica ou legal de o autor da sucessão deserdar – como serão os casos em que o autor da sucessão não teve conhecimento da verificação das causas que justificam a deserdação, ou delas teve conhecimento e nada fez, ou foi vítima de homicídio por parte do herdeiro legitimário e faleceu – a lei prevê a possibilidade de os herdeiros do autor da sucessão ou o Ministério Público intentarem uma ação judicial para impedir que quaisquer pessoas consideradas “indignas”, para efeitos sucessórios, possam herdar os bens do autor da sucessão.
Entre os possíveis “indignos” estão os que tenham sido condenados como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, ou por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra o autor da sucessão, seu cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado e, ainda, os que, por meio de dolo ou coação, tenham induzido, ou impedido, o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar testamento, bem como os que tenham subtraído, ocultado, inutilizado, falsificado, suprimido dolosamente o testamento do autor da sucessão ou se aproveitado de algum desses factos.
Assim, e como se constata, são ainda muito residuais os casos em que, no nosso País, é possível deserdar um filho. Num país em que os idosos são regularmente abandonados nos hospitais no período do Natal, é forçoso, em nosso entender, aumentar as possibilidades de deserdação e indignidade.